Poeira Digital

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Tuesday, November 07, 2006


Formando a Sua Equipe

Você conseguiu reunir um capital suficiente para realizar o seu filme. Em pouco tempo, sua equipe vai estar trabalhando sob suas ordens, para obter as imagens e os sons daquela parcela da realidade que a sua história, ou o seu documentário vai narrar. Seus resultados ainda são uma incógnita - pois uma série de fatores irá entrar na composição do seu filme - um universo audiovisual até aquele momento inexistente - já que a sua história ou o seu projeto para documentário são originais o bastante para se definirem como a "sua criação". Para realiza-la, um grupo de pessoas vai estar reunido durante um tempo que pode ir de alguns dias, até semanas ou meses, dependendo do que o roteiro especifica e o seu orçamento vai permitir.

Sobre este grupo de pessoas, que estará junto a você quase que integralmente, há o consenso de que elas vão participar da criação de um projeto, tornando-se, por isso, uma espécie de co-autores, pelo simples fato de que um filme é um processo que envolve a participação de muita gente. Entretanto, ainda que aparentemente dispostas, se a equipe que vai trabalhar em seu filme for mal formada e mal conduzida, pode levar ao fracasso o seu projeto. Porém, se houve um cuidado preliminar de reunir as pessoas por suas habilidades e conhecimentos técnicos, mas também por suas qualidades pessoais e por seu espírito de cooperação - certamente as dificuldades da realização de um filme serão superadas com maior êxito, do que por uma equipe onde os antagonismos, antipatias pessoais ou individualismo exacerbado, impeçam que as soluções sejam encontradas facilmente.

Uma característica dominante nas produções em vídeo, é que agora as equipes são formadas a partir do equipamento alugado. Voltando um pouco atrás, na época em que o vídeo ainda não se tornara dominante e os filmes eram realizados com "negativo e a bolsa negra para carregar os magazines", as equipes eram formadas a partir da habilidade e conhecimentos técnicos, cujo apuro se dava durante anos de prática. As equipes demonstravam um sólido conhecimento sobre suas atividades profissionais e a ascensão de um técnico se dava através de uma vasto leque de atividades, incorporando gradualmente conhecimentos sobre as diversas áreas da realização de um filme.

O vídeo mudou radicalmente esta maneira de julgar os méritos de um técnico. Por sua origem, o vídeo foi destinado ao jornalismo. A imagem jornalística não necessita de uma produção tão refinada quanto a de um filme. Mesmo os documentários para TV, com 45 ou mais minutos, são na maioria das vezes realizados com uma equipe mínima: o redator, o câmera e o técnico de som. Não raro, o redator é quem faz o som. O câmera divide a direção do carro com o redator e os custos se reduzem dessa maneira. Alguns redatores fazem tudo: câmera, som e produção. Ou, inversamente, o câmera torna-se produtor e redator.

Esta condição gerou uma nova maneira de julgar os méritos de um realizador ou de um técnico. Mais do que a capacidade de realização verdadeiramente original, o rebaixamento dos custos torna-se um fator preponderante, para os critérios de seleção pessoal de uma equipe.

Ao contrário das notícias ou documentários para TV, a qualidade requerida para uma obra de realização pessoal como em um filme de ficção, é muito maior. Então torna-se um fator de verdadeira angústia para o jovem realizador, supor que deva realizar o seu filme com uma equipe reduzida, apenas porque este é atualmente o padrão de produção vigente para os novos filmes. Ou seja, apenas duas pessoas vão realizar sozinhas uma luz melhor do que a luz para filmes jornalísticos, e um som melhor do que o que ouvimos nas atualidades de TV!

Esta condição deriva de uma outra característica, que também foi herdada da produção em vídeo. Geralmente, as produtoras oferecem junto com o equipamento a chamada "equipe da casa": o câmera, seu assistente e o técnico de som. O jovem realizador não consegue escapar dessa condição, porque as produtoras escondem os custos da equipe dentro do aluguel do equipamento. Com ou sem a equipe, o preço do equipamento será o mesmo! Ora, premido por um orçamento baixo, quase sempre o jovem realizador aceita esta condição, e vai trabalhar com uma equipe que na maioria das vezes está apenas habilitada para um tipo determinado de produto audiovisual: comerciais, "varejões", filmes corporativos ou industriais. Muito, muito raramente mesmo, obras de ficção, com uma sintaxe e uma linguagem inéditas. Trocando em miúdos: as questões sobre capacidade e habilidades pessoais da equipe tornaram-se secundárias, e apenas são acessórios à categoria ou qualidade tecnológica do equipamento alugado. O risco é chegar a ver o ser humano como um componente secundário da câmera.

Condição semelhante ocorre com o operador de áudio. O que no cinema em negativo tinha uma importância e uma categoria cujo conceito derivava da sua capacidade para extrair o máximo de equipamentos sofisticados como os gravadores Nagra e Stellavox, no vídeo sua importância reduziu-se à categoria do "técnico em vt", que significa pouco mais do que fazer o vt rodar e gravar. E a sua habilidade como microfonista, reduziu-se drasticamente a pendurar o microfone levalier no pescoço de alguém. Isto, ainda que a pós-produção de áudio seja tão refinada e cara quanto a edição de imagens. A ditadura do som direto impôs a condição mínima ao soundman, de operar microfones com sinal transmitido por rádio, em detrimento de um mixer de vários canais ou uma seleção de microfones de acordo com as características de cada cena. O quadro de microfones, quase que se reduziu exclusivamente ao Sennheiser MKH 416P. Como o câmera, o operador de áudio também tornou-se "alguma coisa que vem junto com o equipamento".

É claro que estas condições vão determinar as escolhas e as suas decisões durante as gravações do material. Ainda assim, você vai realizar o seu filme. Aqui estão algumas dicas que podem ajudá-lo a superar as dificuldades, e chegar mesmo a estabelecer uma verdadeira e criativa troca entre os membros de sua equipe, até envolvê-los de uma forma positiva em seu projeto.

A equipe precisa ser informada como deverá ser a próxima cena. Pode parecer simplista e restrito, mas se você partir para uma explanação sobre todo o filme, ou sobre o que deverá ser feito durante toda a semana, possivelmente produzirá um completo mal-estar: a equipe pouco poderá contribuir com suas idéias - ou as soluções simplesmente vão desaparecer de vista. Sem a menor informação sobre a cena, a equipe não terá uma idéia completa sobre o que deverá ser feito e os recursos técnicos que deverá aplicar.

É importante a participação do operador de áudio. Ao contrário do que normalmente supomos, cada cena tem uma característica própria e o trabalho do som é tornar esta característica tão dominante quanto a própria linguagem da câmera. O operador de áudio deve formular as suas estratégias para garantir uma boa captação, e isto implícita um acordo com o diretor e com o câmera para a disposição dos microfones, cabos, boom, que podem produzir sombras ou atrapalhar o movimento dos atores, p.ex. É importante notar que qualquer "pequena modificação" é importante e pode determinar novas atitudes durante a operação - se o operador não estiver presente "ombro a ombro" com o resto da equipe de imagem, atrasos podem advir dessas modificações.


Sempre manter a equipe presente aos ensaios dos atores. O ensaio é importante não só para os atores, mas para a equipe que deve acompanhar e registrar o desenvolvimento da ação. Subestimar a importância dos ensaios e a presença da equipe, na suposição de que muito tempo pode ser ganho com isso, é o mesmo que parar o relógio para ganhar tempo. A equipe necessita dos ensaios tanto quanto os atores, para aperfeiçoar os detalhes do seu trabalho: foco das objetivas, sobras no movimento da câmera e do operador com seu assistente, a iluminação que não funciona em algumas áreas da imagem, reflexos, ruídos que podem sujar a gravação do áudio, enfim, são infinitas as possibilidades de erros e a necessidade de corrigi-los. Alguns diretores preferem gravar imediatamente, repetindo sempre com a câmera funcionando, o que na verdade não passa de um ensaio gravado. Se esta decisão pode ser válida como referência e correções da ação, para que gastar material sensível com o que não vale para a construção da narrativa?

Um diretor existe para dirigir. Isto quer dizer, que a ação não vai acontecer de uma forma sugestivamente mágica, e tampouco a sua equipe estará lá por sorte para registrar esta possibilidade. A idéia de um cinema espontâneo que começou a aparecer com o neo-realismo italiano, depois foi utilizada na interpretação natural dos filmes produzidos durante a Nouvelle Vague, na França e no Cinema Novo, no Brasil, para citar alguns exemplos, resultou numa noção de que as coisas viriam naturalmente colocar-se diante da câmera. Entretanto, a equipe pode não reagir da mesma maneira, como se filmar fosse alguma coisa próxima de caçar borboletas. Uma performance de direção baseada nessa suposição, pode produzir muita confusão e constantes interrupções. Afinal, nem todos podem esperar que as coisas aconteçam tecnicamente da forma que o diretor pretende - mesmo na confusão de uma tomada, a imagem precisa sair limpa, com os enquadramentos nítidos e o som deve ser claro e cristalino.

Preste atenção aos requerimentos técnicos do equipamento que você está utilizando. Supor que câmeras e gravadores vão reagir instantaneamente logo que você dê a ordem de "ação!", para depois verificar que o material gravado apresenta falhas ao início, pode revelar uma tremenda falta de coordenação entre a direção e sua equipe técnica. Os equipamentos, depois de ligados, levam alguns segundos (entre 10" e 20") até que comecem efetivamente a gravar o sinal de áudio ou vídeo. Pois você também deve esperar antes de ordenar "ação!!". Outra razão, é que sempre se deve gravar alguns segundos antes do início de cada tomada, criando assim o tempo de tape para o pre roll das editoras.

Seja claro nas suas ordens para "cortar". Muitas vezes você até pode preferir que ao final de uma tomada, a câmera e o som não sejam desligados até alguns segundos depois... Entretanto, não decida isso sem que a equipe esteja devidamente informada. Se não, podem ser ocasionados muitos desentendimentos entre a equipe e a direção, cada uma tomando as suas decisões à revelia da outra.

Não esqueça de ter sempre água para a equipe. A realização de uma cena é normalmente muito árdua, fisicamente falando... Ainda mais em nosso clima tropical e depois de muitas horas de trabalho. Não deixe a água faltar. Se for possível, acrescente frutas frescas. Você vai descobrir que o ânimo da equipe será sempre melhor, ao invés de mantê-la longas horas "a seco!" Eles vão estar dispostos aos maiores sacrifícios por seu projeto, se você cuidar um pouco mais do conforto pessoal de todos.

A pausa para almoço é muito importante para a equipe. Não só para restaurar as forças, mas também por permitir um momento onde a camaradagem e a confraternização possam se instaurar. Nunca, em hipótese alguma, cancele o almoço. A menos que isto seja decidido de comum acordo entre todos. Afinal, a fome não tem hierarquias e você vai querer a sua equipe sempre disposta e bem humorada. É claro que a produção sempre deve pagar as refeições... os dividendos retornarão na forma de boa vontade da equipe.

Não ensine ao padre a rezar a missa. Isto é, não diga como os técnicos devem fazer o trabalho deles. Eles estão acostumados a trabalhar em diferentes tipos de produções e conhecem bem os limites, as capacidades e as dificuldades do seu equipamento. Outra coisa: não se aposse do jargão profissional dos técnicos para mostrar intimidade com o trabalho. Na maior parte das vezes, você não estará trazendo nenhuma contribuição efetiva para a solução de um problema técnico. No trabalho de gravação, há muito mais detalhes envolvidos, do que simples terminologia. Pergunte sempre e não afirme nada. Se você sentir necessidade de alterar algum detalhe, ou se estiver procurando tornar um pormenor mais explícito, porque isto pode ser importante para a sua narrativa, procure estabelecer um diálogo expondo o que você pensa para a cena. Isto é, não diga para eles moverem os microfones, ou trocar a objetiva, mas explique como você quer um determinado efeito. Certamente os seus técnicos vão compreender tudo muito bem e vão procurar os meios para obter o que você deseja para o seu filme. Enfim, se você não tiver confiança num membro da sua equipe - despeça-o! Caso contrário, deixe-o fazer o seu trabalho.

Não menospreze as dificuldades de sua equipe, só porque você tem que cumprir um cronograma. Na maior parte das vezes, os "furos" no cronograma são ocasionados por falhas no planejamento ou por circunstâncias além de qualquer controle, como por exemplo, as mudanças climáticas. Mesmo assim, a pré-produção deve estimar o maior número possível de imponderáveis, para torná-los dimensionáveis: a época do ano em que o filme será realizado; as dificuldades com o trânsito e com as distâncias entre as diferentes locações.

Mudar uma locação, mesmo de um bloco de edifícios para outro, demanda tempo para estacionar (os produtores raramente pensam no detalhe dos estacionamentos para os carros com equipamentos, e muitas vezes a equipe é obrigada a carregar e descarregar praticamente no meio da rua). Desmontar e montar o equipamento, estabelecer as instalações elétricas e fixar o parque de luzes... há muito mais o que fazer! Os mesmos detalhes devem ser observados para cada um dos setores da produção: câmera, som, guarda-roupa, etc. Em uma mudança de locação, tudo deve ser previsto para pelo menos 2 à 3 horas. Nunca suponha que a sua equipe irá cobrir duas locações, sem um grande intervalo de tempo entre elas.

Não deixe de pedir opiniões para a sua equipe, se você não souber como resolver um determinado problema. Entretanto, sua atitude não deve ser inesperada, como se você subitamente não mais soubesse o que fazer pelo resto do filme. Ao início do trabalho, não mascare as suas limitações sobre algum detalhe. Assim uma colaboração pode ser estabelecida, e o câmera, por exemplo, pode sempre definir livremente os ângulos para uma tomada, enquanto você se ocupa dos diálogos com os atores e dos conteúdos da sua cena. É claro, que esta "comunhão" não surge espontâneamente, embora boa vontade mútua seja o ingrediente essencial. Você poderá observar que desse compromisso, os resultados serão sempre perfeitos e o seu conceito dentro da equipe, sempre elevado.

Dez horas por dia trabalhando, é um longo e penoso tempo. Fazer um filme não representa apenas esforço físico, mas também concentração mental. É o resultado da combinação de ambos. Apesar do glamour da profissão, a equipe não se constitui para esbanjar charme. Individualmente, cada membro da equipe espera ser adequadamente recompensado por sua dedicação. Ou seja, nunca atrase os pagamentos de sua equipe, apesar de já terem realizado todas as tomadas. Na maioria das vezes, os técnicos são pessoas que vivem exclusivamente de seu trabalho e tem responsabilidades estritas como qualquer um. E a opção de trabalhar no seu projeto, significou que deixaram outras produções para unirem-se à sua. Portanto, não os decepcione.

Sua equipe deseja que o seu projeto seja o melhor possível. Mais do que nada, é uma questão de amor-próprio e orgulho. Nada pior para um técnico do que ver o seu nome ligado a um projeto que fracassou. Ainda que não seja por culpa de sua equipe, todo fracasso vai manchar as carreiras de pessoas que nele estiveram envolvidas. Assim, nunca pense que sua equipe, ainda que não conheça cada membro intimamente, não deixou de participar dos seus sonhos e das suas ambições como realizador. Isto quer dizer que, se você souber tratar e organizar convenientemente, sua equipe estará disposta a dar o sangue por você. Acredite!

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