Poeira Digital

Tudo o que você sempre quis perguntar sobre cinema digital e nunca encontrou ninguém com saco pra responder.

Wednesday, November 08, 2006


Decida-se: Filme ou Vídeo?

Realizar uma obra independente supõe um conceito sobre a produção de imagens, que pode se iniciar por uma discussão entre a opção pelo filme ou pelo vídeo. Embora pareça uma discussão acadêmica, a decisão sobre qualquer das mídias leva à percepção dos limites e vantagens de cada uma delas. Como estamos tratando da criação de imagens, vamos resumidamente observar algumas características que nos parecem importantes na gênese de uma obra, ou seja, todos os elementos constitutivos de uma imagem são significativos de uma visão sobre o mundo e sobre a vida, e assim, tornam-se indispensáveis na caracterização de uma cinematografia.

Antes de tudo, é para o olhar que dirigimos a nossa consideração, portanto, ao criarmos imagens mais ou menos ricas ou pobres do ponto de vista de definição e contraste, estamos de alguma forma contribuindo para nossa maior ou menor sensibilidade diante do que possa ser uma imagem banal e descartável, ou para imagens complexas e enriquecedoras da nossa visão.

Esta capacidade de discernir entre boas e más imagens é essencial, porque de alguma forma, no século da visão total, muitas vezes nos conformamos a imagens pobres e confusas, talvez pela própria saturação a que estamos expostos. É claro que uma cinematografia intencionalmente "pobre" poderá optar por imagens incômodas, ásperas, como posição estilística e dramática. A primeira fase do Cinema Novo, para citar um exemplo próximo a nós, mostrou como isso poderia ser feito.

Entretanto, tal opção é bem diferente da limitação tecnológica, à qual o cineasta ou realizador está conformado pela falta de outra escolha. Nesse momento, em que os meios digitais de captura e processamento de imagens, tornam o cinema uma possibilidade real nos planos de muitos jovens realizadores, cabe uma discussão sobre os limites de nossa criação, mais do que uma discussão sobre as vantagens das nossas opções.

Vamos analisar resumidamente alguns pontos que julgamos essenciais, para estimular uma discussão sobre as novas ferramentas que o cinema atualmente dispõe. Procuraremos observar a formação das imagens no vídeo e no cinema, mantendo o ponto de vista de que a gestação de uma cinematografia universal como estamos vendo agora através da revolução digital, gera condições específicas que devem ser "lidas" por cada cineasta de forma independente e pessoal, para criar obras individualizadas tanto do ponto de vista narrativo, quanto do ponto de vista de sua "grafia" ou seja, a imagem como impressão sensível da realidade física - a "pele" de todas as coisas.

O primeiro ponto que devemos observar quando comparamos filme e vídeo, é a uma relativa imprecisão quanto a condições técnicas semelhantes. A Canon afirma que a sua câmera XL1 captura 270.000 pixels. A Sony com a VX-2000, retruca com 410.000 pixels por CCD. Entretanto, o que estes números significam em termos de qualidade ainda é pouco claro. O parâmetro comum é a afirmação de que ambas possuem "broadcast quality", o que, convenhamos, é uma expressão tão vaga quanto o sexo dos anjos. Na verdade, a imagem produzida por essas câmeras, supera em muito a qualidade da imagem de Super 8mm, mas ainda está aquém da qualidade de imagem do 16 mm.

O segundo item de comparação repousa na capacidade de intercambiar objetivas que as câmeras de filme oferecem, se comparadas às câmeras de vídeo. Enquanto em uma câmera de filme, o diretor conta com um grande leque de objetivas, as câmeras digitais resumem apenas à lente zoom as suas alternativas. É claro que em uma produção de baixo orçamento este item não tem uma importância decisiva, mas a evolução da linguagem de um diretor se apóia no maior número de escolhas que possa ter para realizar a sua visão pessoal. Qualquer filme certamente pode ser realizado sem grande-angulares ou super-closes, entretanto, permanecer apoiado apenas na zoom, limita bastante a dinâmica de uma cinematografia. Enquanto as câmeras de vídeo não passarem a oferecer mais alternativas ao olhar seletivo sobre o mundo, igualmente estreita e limitada será a expressividade deste olhar.

Até lá, "olhar pela zoom" torna-nos vítimas de um totalitarismo ótico, onde não é possível escolher além dos planos focais que determina o range de uma única objetiva. A lente torna-se "útil" para uma objetividade que antecede, determina e limita os nossos esforços para compreender e representar a diversidade imponderável (ante nossos olhos), do mundo.

Passando das objetivas para o material sensível - filmes e tapes - devemos observar as diferenças na resolução de contrastes entre luz e sombra no vídeo e no negativo. O vídeo ainda apresenta uma grande inabilidade para solucionar adequadamente os níveis de contraste entre luz e sombra. Sendo este um problema de sensibilidade, torna-se - em uma cinematografia - um problema dos significados dos detalhes nas áreas de luz e sombra. Se um personagem move-se na sombra contra o fundo, onde um edifício resplandece em pleno sol, seguramente no vídeo o plano relativamente mais distante dentro do fotograma ficará irremediavelmente pulverizado, isto é, vai perder a sua definição de objeto reconhecível - tornando a cena completamente inútil do ponto de vista da teatralidade e do caráter expressivo que a locação pudesse ter para a narrativa. A realidade que a cinematografia pretendia impregnar na tela perde-se, subvertendo o caráter não-alienado da imagem original, que é degrada e passa a ter um valor qualquer que não aquele supostamente dado ao personagem. Em tal sentido, a imagem é uma "meia imagem", pois não irá nunca se constituir como o ambiente do personagem. Por esta via, a imagem torna-se reificada isto é, sua degradação basta-lhe a si mesma, suprimindo e ocupando o lugar das "verdadeiras" referências óticas da realidade. O resultado é que o expurgo de determinadas parcelas da realidade no quadro cinematográfico ascende ao valor absoluto de "realidade completa" e termina tipificando a própria definição do personagem, agora um ser sufocado em um mundo incompleto.

No sentido inverso dos problemas da luz observados no vídeo, devemos olhar o que acontece com as luzes baixas. Os filmes, hoje em dia, são excelentes para trabalhar em baixas luzes - uma sutil granulação ocorre na imagem. Entretanto, em luzes baixas, o CCD produz "ruído", isto é, os negros das áreas mais obscuras apresentam uma granulação intensa, como se um enxame de insetos esvoaçasse na tela. Portanto, é perigosa a afirmação de que apenas um kit de 3 ou 4 refletores Lowel de 1000W, sejam suficientes para fotografia em vídeo. Na verdade, esta afirmação demonstra outro problema: ao de que normalmente não se despende muito tempo iluminando para vídeo. O tempo dedicado a iluminar uma cena em cinema é sempre muito maior do que em vídeo. Daí surgiu a afirmação errônea, de que a fotografia em cinema é mais complexa do que em vídeo.

Totalmente falso. O que ocorre é que "queima-se mais material" - expõe-se mais vídeo para ver como é que fica, ao invés de se trabalhar mais tempo na criação de uma luz apropriada. O resultado dessa atitude, é que quase sempre as imagens em vídeo são inferiores às imagens em filme.

Vejam bem que esta tendência independe da capacidade de resolução do vídeo. Pois se a resolução de contraste hoje em dia é muito baixa (35:1 em vídeo, contra 120:1 em filme), contraditoriamente não parece haver uma tendência a fazer da fotografia para vídeo uma especialização muito mais rigorosa e severa do que para o filme.

De fato, o conceito de produção para fotografia mostra-se equivocado, pois uma fotografia "porca" no vídeo original, significa mais horas gastas na ilha de edição, para obter um resultado que se aproxime de um nível aceitável de imagens. Muitos produtores ainda não se deram conta dessa contradição: quanto mais horas de material sensibilizado houver para transcrever, logar, digitalizar e transferir, mais as despesas de pós-produção vão absorver o orçamento. E a pós-produção não é barata: em média, por um período de 6 horas no Avid, o preço ascende a R$ 500,00 - E a transferência de vídeo para filme, significa uma despesa de mais ou menos U$ 60, por cada segundo! O orçamento pode ser devorado facilmente por este fator galopante.

Nossas afirmações não renegam o vídeo como o meio ideal para a criação de filmes e obras de arte. Ao contrário, o vídeo digital é sem dúvida, a maior abertura à criatividade individual, desde a invenção da pintura de cavalete, no final da Idade Média. O universo digital da produção de imagens é o caminho do futuro. Mas, devemos exigir melhores equipamentos para gravação, maior variedade de objetivas, material sensível mais adequado aos altos contrastes, maior pixelização no fotograma e um novo desenho de produção, pois as imagens necessitam de condições prévias para que possam cumprir o seu papel de desvendar o mundo. Quando estiver gravando o seu projeto, a luz e a iluminação não devem ser fatores trabalhando contra seu filme. Mesmo que a sua equipe de câmera não seja tão experiente quanto seria desejável, se esforce para que a boa iluminação seja realizada. Evidentemente o seu orçamento deve ser bem curto, e você não pode ter todos os "kilos" que desejava. Mesmo com um kit de 1000W, veja previamente todos os locais com o seu fotógrafo. Estude os melhores horários para "armar a sua luz" (adoramos essa expressão!) e realizar a cena. Tenha isso em mente quando iniciar a produção do seu filme. E boa sorte!

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